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“Hipóteses para a SAUDADE,
Um estudo de mitologia
A não
esquecer: eu não conheço nenhum segredo de Portugal. O secreto é íntimo e eu
não entrei na intimidade de Portugal, nem sequer na escassa medida em que um
estrangeiro pode fazê-lo. Tenho dele, pois, só uma «visão» exterior, uma
perspectiva fisionómica.
As
circunstâncias do mundo trouxeram-me aqui e as razões pelas quais aqui estou
aconselham-me uma vida retirada. Mas ainda que assim não fosse, motivos
pessoais impedir-me-iam de entrar na intimidade de Portugal. Esta só pode ser
vista desde dentro de ela própria, tal como a fisiognomonia é visão desde o
exterior. E «entrar» num povo é não só pura e simplesmente estar nas suas ruas,
mas viver nele, ser nele. (…)
A Saudade
não é um tema português, mas o tema
português por excelência. Se outro qualquer pode situar-se na sua periferia é,
porventura, a «Descoberta». Ambos polarizam a realidade histórica que é
Portugal. E resulta que são uma contraposição: a «Descoberta» é a ânsia de partir, a «Saudade» a ânsia de voltar. A ex-patriação (uma vez) e a re-patriação permanente: antes e
depois da Descoberta. Portugal é o «filho pródigo» de si mesmo. O que é nele
mais autêntico? O partir ou o voltar? Aquilo fê-lo uma vez: isto fê-lo e está
sempre a fazê-lo. A cada dia, cada hora o português volta a si. (…)
Ao longe,
a costa abrupta do Cabo Espichel estira-se sobre o mar elasticamente, com
oculta intenção. Mas, à distância, toda a terra, montanha, costa, se
transforma, porque ali, na lonjura do nosso horizonte, a sós com o céu, perde
os caracteres do elemento sólido, dureza, gravidade e ensaia a conversão em
algo fluido, em tornar-se nuvem, nebuloso. Como tantos seres, ao longe sonha
que é céu e pronto adquire um matiz azulado para se vestir à moda celestial.”
José Ortega y
Gasset, Saudade, notas de trabalho, Lisboa,
Produções Editoriais Sete Caminhos, 2005, pp. 17-30.
"Nota Introdutória - Ortega datou de Outubro de 1943 várias pastas de
«Notas de Trabalho» que contêm projectos de livros, como o do Epílogo ou mesmo
este da Saudade. O invulgar do dado confere-lhe uma importância especial, principalmente se tivermos em conta que, para
ele, «a nossa vida está datada» e os números convertidos em datas são os
limites dessa vida. Efectivamente, é em 1943 que põe casa em Lisboa depois de
um exílio ocasional. Ortega cumpre os sessenta anos e se é certo que, por um
lado, se sente velho para algumas coisas, por outro, é isso mesmo que o impele
a entregar-se a projectos mais ambiciosos - nada menos que uma revisão do
pensamento ocidental, pois «...a filosofia é a forma que toma a juventude,
florindo e amadurecendo no homem velho". Este é o conteúdo do curso de
1943 em Lisboa, «Sobre a razão histórica»." - José Luís Molinuevo
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