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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

DA SAUDADE II

Imagem daqui.
 

“Hipóteses para a SAUDADE,
Um estudo de mitologia
A não esquecer: eu não conheço nenhum segredo de Portugal. O secreto é íntimo e eu não entrei na intimidade de Portugal, nem sequer na escassa medida em que um estrangeiro pode fazê-lo. Tenho dele, pois, só uma «visão» exterior, uma perspectiva fisionómica.
As circunstâncias do mundo trouxeram-me aqui e as razões pelas quais aqui estou aconselham-me uma vida retirada. Mas ainda que assim não fosse, motivos pessoais impedir-me-iam de entrar na intimidade de Portugal. Esta só pode ser vista desde dentro de ela própria, tal como a fisiognomonia é visão desde o exterior. E «entrar» num povo é não só pura e simplesmente estar nas suas ruas, mas viver nele, ser nele. (…)
A Saudade não é um tema português, mas o tema português por excelência. Se outro qualquer pode situar-se na sua periferia é, porventura, a «Descoberta». Ambos polarizam a realidade histórica que é Portugal. E resulta que são uma contraposição: a «Descoberta» é a ânsia de partir, a «Saudade» a ânsia de voltar. A ex-patriação (uma vez) e a re-patriação permanente: antes e depois da Descoberta. Portugal é o «filho pródigo» de si mesmo. O que é nele mais autêntico? O partir ou o voltar? Aquilo fê-lo uma vez: isto fê-lo e está sempre a fazê-lo. A cada dia, cada hora o português volta a si. (…)

 
Ao longe, a costa abrupta do Cabo Espichel estira-se sobre o mar elasticamente, com oculta intenção. Mas, à distância, toda a terra, montanha, costa, se transforma, porque ali, na lonjura do nosso horizonte, a sós com o céu, perde os caracteres do elemento sólido, dureza, gravidade e ensaia a conversão em algo fluido, em tornar-se nuvem, nebuloso. Como tantos seres, ao longe sonha que é céu e pronto adquire um matiz azulado para se vestir à moda celestial.”
José Ortega y Gasset, Saudade, notas de trabalho, Lisboa, Produções Editoriais Sete Caminhos, 2005, pp. 17-30.
 


"Nota Introdutória - Ortega datou de Outubro de 1943 várias pastas de «Notas de Trabalho» que contêm projectos de livros, como o do Epílogo ou mesmo este da Saudade. O invulgar do dado confere-lhe uma importância especial, principalmente se tivermos em conta que, para ele, «a nossa vida está datada» e os números convertidos em datas são os limites dessa vida. Efectivamente, é em 1943 que põe casa em Lisboa depois de um exílio ocasional. Ortega cumpre os sessenta anos e se é certo que, por um lado, se sente velho para algumas coisas, por outro, é isso mesmo que o impele a entregar-se a projectos mais ambiciosos - nada menos que uma revisão do pensamento ocidental, pois «...a filosofia é a forma que toma a juventude, florindo e amadurecendo no homem velho". Este é o conteúdo do curso de 1943 em Lisboa, «Sobre a razão histórica»." - José Luís Molinuevo


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