“No mundo
da inteligência não é menos notável a expansão do espírito peninsular durante a
Idade Média. O grande movimento intelectual da Europa medieval compreende a
filosofia escolástica e a teologia, as criações nacionais dos ciclos épicos, e
a arquitectura. Em nada disto se mostrou a Península inferior às grandes nações
cultas, que haviam recebido a herança da civilização romana. Demos à Escola
filósofos como Raimundo Lúlio; à Igreja, teólogos e papas, um destes português,
João XXI. As escolas de Coimbra e Salamanca tinham uma celebridade europeia:
nas suas aulas viam-se estrangeiros de distinção, atraídos pela fama dos seus
doutores. Entre os primeiros homens do século XIII está um monarca espanhol,
Afonso o Sábio, espírito universal, filósofo, político e legislador. Nem posso
também deixar esquecidos os mouros e judeus, porque foram uma das glórias da
Península. A reforma da Escolástica, nos séculos XIII e XIV, pela renovação do
aristotelismo, foi obra quase exclusiva das escolas árabes e judaicas de
Espanha. Os nomes de Averróis (de Córdova), de Ibn-Tofail (de Sevilha) e os dos
judeus Maimónides e Avicebron serão sempre contados entre os primeiros na
história da filosofia na Idade Média. Ao pé da filosofia, a poesia. Para opor
aos ciclos épicos da Távola
Redonda, de Carlos Magno e do Santo Graal, tivemos aquele admirável Romancero, as lendas do Cid, dos Infantes
de Lara, e tantas outras, que se teriam
condensado em verdadeiras epopeias, se o espírito clássico da Renascença não
tivesse vindo dar à poesia uma outra direcção. (…)Quanto à arquitectura, basta
lembrar a Batalha e a catedral de Burgos, duas das mais belas rosas góticas
desabrochadas no seio da Idade Média. Em tudo isto acompanháramos a Europa, a
par do movimento geral. Numa coisa, porém, a excedemos, tornando-nos
iniciadores: os estudos geográficos e as grandes navegações. As descobertas,
que coroaram tão brilhantemente o fim do século XV, não se fizeram ao acaso. Precedeu-as
um trabalho intelectual, tão scientífico quanto a época o permitia, inaugurado
pelo nosso infante D. Henrique, nessa famosa escola de Sagres, de onde saíam
homens como aquele heróico Bartolomeu Dias, e cuja influência, directa ou
indirectamente, produziu um Magalhães e um Colombo. Foi uma onda que, levantada
aqui, cresceu até ir rebentar nas praias do novo mundo.”
Antero de Quental, Causas da
Decadência dos Povos Peninsulares, discurso pronunciado na noite de 27 de
maio [1871], na Sala do Casino Lisbonense, Lisboa, Guimarães Editores, 2001, pp.21-23.
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