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Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

ANTERO DE QUENTAL - Causas da Decadência dos Povos Peninsulares II


“No mundo da inteligência não é menos notável a expansão do espírito peninsular durante a Idade Média. O grande movimento intelectual da Europa medieval compreende a filosofia escolástica e a teologia, as criações nacionais dos ciclos épicos, e a arquitectura. Em nada disto se mostrou a Península inferior às grandes nações cultas, que haviam recebido a herança da civilização romana. Demos à Escola filósofos como Raimundo Lúlio; à Igreja, teólogos e papas, um destes português, João XXI. As escolas de Coimbra e Salamanca tinham uma celebridade europeia: nas suas aulas viam-se estrangeiros de distinção, atraídos pela fama dos seus doutores. Entre os primeiros homens do século XIII está um monarca espanhol, Afonso o Sábio, espírito universal, filósofo, político e legislador. Nem posso também deixar esquecidos os mouros e judeus, porque foram uma das glórias da Península. A reforma da Escolástica, nos séculos XIII e XIV, pela renovação do aristotelismo, foi obra quase exclusiva das escolas árabes e judaicas de Espanha. Os nomes de Averróis (de Córdova), de Ibn-Tofail (de Sevilha) e os dos judeus Maimónides e Avicebron serão sempre contados entre os primeiros na história da filosofia na Idade Média. Ao pé da filosofia, a poesia. Para opor aos ciclos épicos da Távola Redonda, de Carlos Magno e do Santo Graal, tivemos aquele admirável Romancero, as lendas do Cid, dos Infantes de Lara, e tantas outras, que se teriam condensado em verdadeiras epopeias, se o espírito clássico da Renascença não tivesse vindo dar à poesia uma outra direcção. (…)Quanto à arquitectura, basta lembrar a Batalha e a catedral de Burgos, duas das mais belas rosas góticas desabrochadas no seio da Idade Média. Em tudo isto acompanháramos a Europa, a par do movimento geral. Numa coisa, porém, a excedemos, tornando-nos iniciadores: os estudos geográficos e as grandes navegações. As descobertas, que coroaram tão brilhantemente o fim do século XV, não se fizeram ao acaso. Precedeu-as um trabalho intelectual, tão scientífico quanto a época o permitia, inaugurado pelo nosso infante D. Henrique, nessa famosa escola de Sagres, de onde saíam homens como aquele heróico Bartolomeu Dias, e cuja influência, directa ou indirectamente, produziu um Magalhães e um Colombo. Foi uma onda que, levantada aqui, cresceu até ir rebentar nas praias do novo mundo.”
Antero de Quental, Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, discurso pronunciado na noite de 27 de maio [1871], na Sala do Casino Lisbonense, Lisboa, Guimarães Editores, 2001, pp.21-23.
 

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