Manuel Bandeira, por Cândido Portinari (1931)
Imagem daqui.
CREPÚSCULO
DE OUTONO
O CREPÚSCULO
cai, manso como uma bênção.
Dir-se-á
que o rio chora a prisão de seu leito…
As grandes
mãos da sombra evangélicas pensam
As feridas
que a vida abriu em cada peito.
O outono
amarelece e despoja os lariços.
Um corvo
passa e grasna, e deixa esparso no ar
O terror
augural de encantos e feitiços.
As flores
morrem. Toda a relva entra a murchar.
Os pinheiros
porém viçam, e serão breve
Todo o
verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros
sobre a alvura inânime da neve,
Altos e
espirituais como flechas de igrejas.
Um sino
plange. A sua voz ritma o murmúrio
Do rio, e
isso parece a voz da solidão.
E essa
voz enche o vale… o horizonte purpúreo…
Consoladora
como um divino perdão.
O sol
fundiu a neve. A folhagem vermelha
Reponta. Apenas
há, nos barrancos retortos,
Flocos,
que a luz do poente extática semelha
A um
rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.
A sombra
casa os sons numa grave harmonia.
E tamanha
esperança e uma tão grande paz
Avultam do
clarão que cinge a serrania,
Como se houvesse aurora e o mar
cantando atrás.
Clavadel, 1913
Manuel Bandeira, A Cinza das Horas
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