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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

BELA INFANTA




BELA INFANTA


"Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Com o seu pente d’oiro fino
Seus cabelos penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava.
- «Dize-me, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava.»
- «Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada…
Dize-me tu, ó senhora,
As senhas que ele levava.»
- «Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava.»
- «Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Eu sua morte vingava.»
- «Ai triste de mim, viúva,
Ai triste de mim, coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!...»
- «Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
- «Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i.»
- «Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
- «De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gerzeli:
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei p’ra si.»
- «Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem tu trouxera aqui?»
- «As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.»
- «As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?»
- «De três filhas que eu tenho
Todas três te dera a ti:
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir.»
- «As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui.»
- «Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir.»
- «Tudo, não, senhora minha,
Que inda te não deste a ti.»
- «Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!»
- «Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti…
Que é dele a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!»
- «Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui.»"
Romanceiro de Almeida Garrett, seleção, organização, introdução e notas de Maria Ema Tarracha Ferreira, Lisboa, Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, 1997, pp.266-268.


Da introdução, de Almeida Garrett: “Esta é, sem questão, a mais geralmente sabida e cantada de nossas xácaras populares, a Bela Infanta. (…)
Digo que esta é uma verdadeira xácara, porque, feita a introdução, o poeta retira-se e deixa aos seus interlocutores contar a história toda. (…)
Não sei de outra alguma destas composições populares que tenha por assunto um sucesso ligado com a guerra das Cruzadas: até por isso é interessante.”


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