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Escola Secundária José Saramago - Mafra

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

SALOIOS VII

Ilustração de Alice Rey Colaço.




"O POVO dos Saloios habita as faldas norte da serra de Sintra, desde os tempos que a memória não enxerga, foi criando grupos familiares em que todos eram parentes de todos. Casavam-se sempre entre si, e por isso, ao contrário de outros povos do reino, mais afastados, nunca foram penetrados por celtas, visigodos, árabes, romanos, judeus ou cristãos. Não se sabe, nem os membros do povo conseguem explicar, a razão do lugar que lhes serve de pátria: a parte norte da serra de Sintra.
 
Provavelmente, a serra fornecia-lhes abrigo dos primitivos piratas, os mais antigos de todos os piratas, os que subiam e desciam o Tejo à busca de mão-de-obra barata. Ao certo só se sabe que o povo dos Saloios não abandona o local. Quando os reis portugueses no tempo dos Descobrimentos andavam pelo reino à procura dos «homens de corda» para os meter nas caravelas para seguirem para as Índias, Áfricas e Américas, o povo dos Saloios escondia-se em abrigos naturais da serra, tapados com folhagens, e os monteiros do rei, que queriam açambarcar pela forma embarcadiços baratos, passavam, olhavam e não viam ninguém. Séculos depois, quando outros lusitanos embarcaram nas ondas da emigração para a Europa, os Saloios continuaram agarrados à serra como lapas à rocha, pensando que assim como as lapas não saem do sítio, a serra deverá ser melhor negócio: quando os que partiram regressarem, eles, os que ficaram, chegaram primeiro.
 
Como o 25 de Abril de 1974 caiu a uma quinta-feira, e a quinta-feira é o dia da semana em que se vai negociar à Malveira, foi lá, na Malveira, que ouviram falar da revolução: ignorando o que isso era, os mais saloios dos Saloios desconfiaram que no dia seguinte, sexta-feira, não iria andar a roda, e os que já tinham comprado lotaria venderam logo o jogo.
 
Não usam armas a não ser a da esperteza saloia, arma que aplicam a torto e a direito a todos os que lhes pretendem enfiar barretes. Mas como o barrete saloio é geneticamente mais resistente - a serra resiste melhor que a cidade -, ganha sempre aos urbanos. (...)"
 
José Sousa Monteiro, "Homenagem a Tácito", crónica do Diário de Notícias, 23 de junho de1993.
 
 

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