Vista do Tejo e de uma parte do Terreiro do Paço, antes de 1755
Estampa de Maillet (Paris, 1760)
Imagem da Biblioteca Nacional de Portugal
“Portugal
de norte a sul não tem mais que cem léguas e da costa à fronteira não mede mais
de trinta e cinco; a Corte, porém, em dias de gala, é tão grande como se o país
fosse vastíssimo. O rei compraz-se em vestir esplendidamente e o melhor meio
para lhe cair em graça e ter acesso à sua pessoa é, quem tal pretenda,
apresentar-se ricamente vestido.
Os
grandes do reino residem habitualmente em Lisboa e as equipagens e palácios que
possuem são magníficos, o que contribui muito para o embelezamento da cidade
que está sendo muito frequentada por forasteiros provindos de todas as nações
da Europa, atraídos pela curiosidade e particularmente por interesses
mercantis. Embora em cada casa fidalga existam mais de cem criados, incluindo
negros e moleques, a despesa com esta criadagem é módica pois não vai além do
que custa uma ração de arroz, diariamente. (…)
O
edifício da Alfândega não tem beleza mas está bem situado, à margem do Tejo. Conseguir
qualquer despacho nesta Alfândega é o cabo dos trabalhos, tantas têm de ser as
assinaturas no mesmo documento com que se hão-de retirar as mercadorias. Oferece-se
ali, porém, uma vantagem aos comerciantes, a de lhes ser permitido armazenar
ali mercadorias e de as irem retirando à medida das necessidades, sem mais
qualquer encargo. A maior parte dos comerciantes não retiram os géneros sem os
terem vendidos e facturados aos seus fregueses. A Alfândega dá ao rei o seu
melhor rendimento na Europa.
O mercado
designado por Ribeira não fica distante da Alfândega. Vende-se
ali de tudo, peixe, caça, galináceos, hortaliças, tudo, enfim, o que é
necessário à vida. O mercado de peixe de Lisboa é, sem possível contestação, o
melhor da Europa pela variedade de peixe que ali se encontra. O Terreiro do
Trigo fica-lhe nas imediações e ali se vendem as várias qualidades de cereal. (…)
É coisa
de admirar que na cidade de Lisboa apareça água por toda a parte, seja no alto
das colinas, seja a meia encosta ou ainda na parte baixa. Acontece contudo,
frequentemente, que uma vasta casa que possui um bom poço se encontre de um dia
para o outro sem água em virtude de algum vizinho ter aberto, em plano
inferior, um outro poço. Se isto acontece na casa de um grande senhor que
possua equipagem, a casa pode dizer-se que perdeu todo o valor por causa da
despesa a que nestas condições obriga a obtenção da água para saciar as mulas e
os cavalos. (…)
A água de
Lisboa não é má e as cozinhas do rei estão bem providas dela, possuindo
torneiras donde emana com abundância. Os portugueses bebem em púcaros de barro
de Estremoz. Este barro é vermelho, muito leve e cheira a terebentina. Os portugueses
encontram-lhe um gosto delicioso."(…)
Charles Frédéric de Merveilleux, “Memórias
Instrutivas sobre Portugal, 1723-1726”, in O
Portugal de D. João V visto por três forasteiros, tradução, prefácio e
notas de Castelo Branco Chaves, Lisboa, Presidência do Conselho de Ministros –
Secretaria de Estado da Cultura, Série Portugal e os Estrangeiros, Biblioteca
Nacional, 2ª edição, 1989, pp. 215-216.
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