O percurso de Dona Gracia Nasi e da sua família, após a fuga de Portugal, em 1537.
Imagem daqui.
Excerto da primeira parte da obra A Senhora, de Catherine Clément.
"1510-1536
A MENINA
DA MAÇÃ VERMELHA
Nós, os
Marranos vindos da Península Ibérica, nunca tivemos o direito de usar os nossos
nomes judeus. Tínhamos de escolher entre partir ou mudar de identidade. Quantos
nomes usámos nós, quantas vezes os mudámos… Perpétuos mascarados, eis o que
somos. Em Portugal, era João Miguez, em Inglaterra, em Veneza, em Ferrara, John
Miquez, Juan Micquez, ou ainda, Juan Micas, como queiram; aqui, Yusuf Nasi… E
ela, como lhe chamarão os vindouros? Gracia, Hannah ou Beatriz?
A Senhora
nasceu em Portugal, em 1510, sob o nome cristianíssimo de Beatriz de Luna. Eu vim
ao mundo cinco anos mais tarde; era filho de seu irmão mais velho, que tinha,
por seu lado, tomado o nome de Miguez. O nosso verdadeiro nome era Nasi, que
quer dizer príncipe. Pobres de nós! Nessa época já não éramos príncipes, mas
proscritos disfarçados.
Quando os
reis espanhóis decidiram expulsar o nosso povo, a Senhora não era nascida. Mas a
história dessa calamidade marcou, desde o nascimento, os filhos dos primeiros
exilados. (…)
O dia 31
de Março de 1492 foi um dia de luto para o povo judeu e assistiu ao começo de
novo êxodo. Deram quatro meses aos nossos antepassados para deixar tudo; eles
partiram em plena canícula, no mês de Agosto, pelas estradas calcinadas, e
levaram apenas as Toras. Diz-se que para os encorajar naquela marcha esgotante,
se cantava, e que as crianças tocavam tambores; houve mortes, houve
nascimentos; uns foram até ao mar, ao Sul, e alguns embarcaram; outros foram
para Portugal. Foi o caso da nossa família que se instalou na capital.
Se os Judeus eram pobres, pagavam cada um oito cruzados à chegada e obtinham oito meses de tranquilidade; se eram ricos, à razão de cem cruzados por pessoa, podiam estabelecer-se em Portugal. Os Nasi tinham dinheiro; permaneceram, mudaram de nome e acreditaram estar salvos. Era não contar com o obstinado fervor de Isabel, a Católica, que deu sua filha Isabel a Manuel de Portugal; quatro anos depois do édito espanhol, era a vez do rei Manuel obter do Papado o direito a expulsar os seus Judeus como os soberanos de Espanha. Foi o que em breve aconteceu."
Catherine
Clément, A Senhora, Porto, ASA
Editores II, S. A., 2002, pp. 19-21.
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