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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 28 de agosto de 2012

EÇA DE QUEIRÓS - O EGITO EM 1869

"Ali, as coisas imensas têm a perfeição
das coisas delicadas: o mar lembra uma
pervinca; o céu, uma ametista...
Aquela região é a pátria das almas."
Eça de Queirós

Delta do Nilo.
Imagem daqui.


“III
ATRAVÉS DO DELTA. CONSIDERAÇÕES SOBRE O EGIPTO CONTEMPORÂNEO
Era uma manhã um pouco húmida. Grandes nuvens brancas, estiradas, riscavam o céu descorado.
Ao princípio, terras pálidas, lívidas, cortadas de valas de água, como tiras horizontais, uniformes, tristes. Depois as terras desaparecem, e o comboio corre sobre uma estreita caleira de pedra, através do lago. Vê-se, então, no horizonte, reluzir lividamente aquela água imóvel, pesada de sol, estirada, levemente franzida de vento. Mais tarde, começam a negrejar de novo as aparências de terra, árvores, troncos – sem uma erva, sem uma besta – até que por fim se entra nos campos de cultura.
Vemos até ao largo horizonte os descampados frescos, cheios ainda do Nilo. A paisagem é uma grande planície verde, marejada de água. Não há paisagem tão serena, tão humana, tão docemente fecunda: nenhum contraste, nenhuma violência de perfis de montes – tudo largo, liso, imenso e coberto de luz.
O verde e a água resplandecem. Sente-se a riqueza, a abundância… Por toda a parte as searas e as águas fecundas. Os caminhos encolhem-se para não tomarem espaço…
Água, verdura, cultura, trabalho, riqueza: são os grandes tesouros do Nilo. (…)
O verde é profundo: sente-se a forte seiva saciada de água. Os trigos reluzem batidos de luz, e entre eles passeiam gravemente as íbis, as aves sagradas do velho Egipto. (…)
Aquela paisagem imponente, de uma grande severidade, de uma beleza grave, passa rapidamente aos dois lados do vagão. O Nilo ali é estreito, menos largo que o Tejo. Uma vegetação poderosa, profunda, violenta, cobre as margens, e vem mergulhar as suas raízes na água. Ao longe, as culturas têm o aspecto de uma decoração maravilhosa. É solene, é quase bíblico, de uma serenidade profunda e consoladora. Sente-se que quem atravessa aquelas culturas deve falar baixo. Do céu cai uma luz imóvel e abundante.”
Eça de Queirós, O Egipto – Notas de Viagem, Lisboa, Edição Livros do Brasil, s/d, pp. 50-52.

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