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Associando-nos à iniciativa da Associação Portuguesa de Escritores, e aproximando-se a data que assinala a passagem de 50 anos sobre a morte de Aquilino Ribeiro, nascido em Carregal de Tabosa, Sernancelhe, em 1885, aqui deixamos um excerto de Volfrâmio, uma das obras do escritor.
“O senhor
Pe. Tadeu mostrou-se interessado em apanhar o fio da maranha, tanto mais que
tinham ido chamá-lo para exercer o seu múnus e para pantominas não estava. Mas o
Cambais, divisando ali a dois passos a mulher do Lázaro Fandinga de orelhas
fitas para o que se dizia, restringiu-se a piscar o olho e a sorrir malicioso. Em
compensação rompeu logo a contar pela centésima vez a história da «grande
pouca-vergonha» de que era vítima. A guarda de Orcas da Beira, à ordem do
senhor administrador, viera-lhe fazer um varejo a casa e, além de lhe apreender
o volfrâmio que lá tinha e multá-lo em cinco contos e quatrocentos a pretexto
de que executava trabalhos de mineração fora de todo o regulamento, avisara-o
que tinha a satisfazer uma renda vitalícia à gentinha dos desgraçados que
haviam pateado no Santo Antão. Irra, irrório, senhor Ligório, não era bastante
quanto amanhava ainda que passasse a comer o caldo sem unto! Pelo que respeita
à multa, não havia dúvida que, se a lavra de Santo Antão fora dada ao manifesto
pelo Dr. Torres, dono do terreno e endossante, para trabalhos que se seguiram,
em contra do que dispunha a lei, os técnicos não tinham sido ouvidos nem
chamados. Mas em muitas outras partes não sucedia a mesma coisa e as
autoridades não faziam vista grossa? Quanto ao rescaldo do desastre que atirara
para o maneta com os dois homens, casados e pais de filhos, a responsabilidade
era, como para o mais, colectiva. Estava persuadido que, tapando-se a boca das
viúvas com umas centenas de escudos, a exigência dava em águas de bacalhau. Mas
haviam de pôr todos o ombro, e não ser só ele a mandar para a vila juncos de
trutas e cabritos. Em Orcas, em atenção ao Calhorra, presidente da Junta da
Parola e todo deles, e também do Antoninho Fráguas, manda-chuva daquelas
parvónias, praticaram, enquanto lhes pareceu, a política do olho morto. Mas assim
que ficaram cientes de que o filho do Fráguas estava debaixo da terra a fazer
tijolo e o Calhorra, o grande patife, se desquitara do negócio, toca a andar
com a devassa. Quem havia de pagar as favas? O senhor Pe. Tadeu, não – e ele
estava plenissimamente de acordo – por todos os motivos e mais um, encerrado na
sentença que ouvira a um tolo: dizem e
dirão que a pega não é gavião. Então quem?
Ora, estava ali aquele sendeiro do Zé dos Cambais, que uns anos por outros
lavrava meia dúzia de alqueires de milho e comia as batatas com azeite,
deitava-se-lhe a soga. Soga fora ela que pesava em mais de trinta e sete
contos, somadas todas as despesas com jornas, madeiras, ferramentas e agora a
multa e papel selado, não se falando, está bem de ver, da pretendida
indemnidade. Apurados em sua mão havia por junto treze contos e setecentos. Era
ele que havia de ustir com a diferença, ou fossem vinte e três contos e pico? Não
estava certo, não estava. Arrotava quem podia, achava muito bem, mas ele não
podia, assim Deus lhe desse a salvação!”
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