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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

AQUILINO RIBEIRO - cinquentenário da sua morte

  
 
Associando-nos à iniciativa da Associação Portuguesa de Escritores, e aproximando-se a data que assinala a passagem de 50 anos  sobre a morte de Aquilino Ribeiro, nascido em Carregal de Tabosa, Sernancelhe, em 1885, aqui deixamos um excerto de Volfrâmio, uma das obras do escritor.
 

“O senhor Pe. Tadeu mostrou-se interessado em apanhar o fio da maranha, tanto mais que tinham ido chamá-lo para exercer o seu múnus e para pantominas não estava. Mas o Cambais, divisando ali a dois passos a mulher do Lázaro Fandinga de orelhas fitas para o que se dizia, restringiu-se a piscar o olho e a sorrir malicioso. Em compensação rompeu logo a contar pela centésima vez a história da «grande pouca-vergonha» de que era vítima. A guarda de Orcas da Beira, à ordem do senhor administrador, viera-lhe fazer um varejo a casa e, além de lhe apreender o volfrâmio que lá tinha e multá-lo em cinco contos e quatrocentos a pretexto de que executava trabalhos de mineração fora de todo o regulamento, avisara-o que tinha a satisfazer uma renda vitalícia à gentinha dos desgraçados que haviam pateado no Santo Antão. Irra, irrório, senhor Ligório, não era bastante quanto amanhava ainda que passasse a comer o caldo sem unto! Pelo que respeita à multa, não havia dúvida que, se a lavra de Santo Antão fora dada ao manifesto pelo Dr. Torres, dono do terreno e endossante, para trabalhos que se seguiram, em contra do que dispunha a lei, os técnicos não tinham sido ouvidos nem chamados. Mas em muitas outras partes não sucedia a mesma coisa e as autoridades não faziam vista grossa? Quanto ao rescaldo do desastre que atirara para o maneta com os dois homens, casados e pais de filhos, a responsabilidade era, como para o mais, colectiva. Estava persuadido que, tapando-se a boca das viúvas com umas centenas de escudos, a exigência dava em águas de bacalhau. Mas haviam de pôr todos o ombro, e não ser só ele a mandar para a vila juncos de trutas e cabritos. Em Orcas, em atenção ao Calhorra, presidente da Junta da Parola e todo deles, e também do Antoninho Fráguas, manda-chuva daquelas parvónias, praticaram, enquanto lhes pareceu, a política do olho morto. Mas assim que ficaram cientes de que o filho do Fráguas estava debaixo da terra a fazer tijolo e o Calhorra, o grande patife, se desquitara do negócio, toca a andar com a devassa. Quem havia de pagar as favas? O senhor Pe. Tadeu, não – e ele estava plenissimamente de acordo – por todos os motivos e mais um, encerrado na sentença que ouvira a um tolo: dizem e dirão que a pega não é gavião. Então quem? Ora, estava ali aquele sendeiro do Zé dos Cambais, que uns anos por outros lavrava meia dúzia de alqueires de milho e comia as batatas com azeite, deitava-se-lhe a soga. Soga fora ela que pesava em mais de trinta e sete contos, somadas todas as despesas com jornas, madeiras, ferramentas e agora a multa e papel selado, não se falando, está bem de ver, da pretendida indemnidade. Apurados em sua mão havia por junto treze contos e setecentos. Era ele que havia de ustir com a diferença, ou fossem vinte e três contos e pico? Não estava certo, não estava. Arrotava quem podia, achava muito bem, mas ele não podia, assim Deus lhe desse a salvação!”
Aquilino Ribeiro, Volfrâmio, Lisboa, Livraria Bertrand, 1961, pp.342-344.

Imagem daqui.
 


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