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Escola Secundária José Saramago - Mafra

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

SUGESTÃO DE LEITURA (32)

MIA COUTO E OS SETE SAPATOS SUJOS
 
 Em 2006, Mia Couto recebeu um convite para proferir uma "oração de sapiência" no ISCTEM, em Maputo. Conhecedor da realidade sociológica e económica de Moçambique, escolheu para tema da sua lição o combate à pobreza e os preconceitos que impedem a entrada num mundo moderno.

E Se Obama Fosse Africano? e Outras Interinvenções  resulta da sua participação em encontros públicos. São textos de reflexão que abordam temas como a política, a literatura, a cultura, a antropologia, entre outros.

No capítulo intitulado "Os Sete Sapatos Sujos",  o autor refere que " (...) Não podemos entrar na modernidade com o actual fardo de preconceitos. À porta da modernidade precisamos de nos descalçar. Eu contei sete sapatos sujos que precisamos de deixar na soleira da porta dos tempos novos. (...) "  (pág. 33)
Em suma, um conjunto de ideias e atitudes que impedem o desenvolvimento e a justiça social de muitos povos.

Aqui fica um excerto:

Sétimo sapato: A ideia de que para sermos modernos temos que imitar os outros
 
Todos os dias recebemos estranhas visitas em nossa casa. Entram por uma caixa chamada televisão. Criam uma relação de virtual familiaridade. Aos poucos passamos a ser nós quem acredita estar vivendo fora, dançando nos braços de Janet Jackson. O que os vídeos e toda a subindústria televisiva nos vêm dizer não é apenas «comprem». Há todo um outro convite que é este:«sejam como nós». Este apelo à imitação cai como ouro sobre azul: a vergonha de sermos quem somos é um trampolim para vestirmos esta outra máscara.
O resultado é que a nossa produção cultural se está convertendo na reprodução macaqueada da cultura dos outros. O futuro da nossa música poderá ser uma espécie de hip-hop tropical, o destino da nossa culinária poderá ser o McDonald's.
Falamos de erosão dos solos, de desflorestação, mas a erosão das nossas culturas é ainda mais preocupante. A secundarização das línguas moçambicanas (incluindo da língua portuguesa) e a ideia de que só temos identidade naquilo que é folclórico são modos de nos soprarem ao ouvido a seguinte mensagem: só somos modernos se formos americanos.
A nossa sociedade tem uma história similar à de um indivíduo. Ambos os percursos são marcados por rituais de transição: o nascimento, o fim da adolescência, o casamento, o fim da vida.
Olho a nossa sociedade urbana e pergunto-me : será que queremos realmente ser diferentes? Porque vejo que esses rituais de passagem se reproduzem como fotocópia fiel daquilo que sempre conheci na sociedade colonial. Estamos dançando a valsa, com vestidos compridos, num baile de finalistas que é decalcado daquele do meu tempo. Estamos copiando as cerimónias de final de curso a partir de modelos europeus da Inglaterra medieval. Casamo-nos de véus e grinaldas e atiramos para longe da Avenida Julius Nyerere tudo aquilo que possa sugerir uma cerimónia mais enraizada na terra e na tradição moçambicana.
 
COUTO, Mia - E Se Obama Fosse Africano? e Outras Interinvenções. Lisboa: Editorial Caminho. 2009. 214 p. ISBN 978-972-21-2023-4

Para continuar a ler, requisite o livro na BE.


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