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“Estão na
moda as reflexões em torno do futuro de Portugal. Sempre me pareceram uma
ilusão perigosa. Leitor impenitente dos clássicos, desde os humanistas que
meditaram acerca do camoniano «desconcerto do mundo» até aos neo-garrettianos,
aos integralistas e aos seareiros, partilho de muitas das ideias de António
Sérgio e penso que um pouco de racionalismo e de consciência do presente nos
evitaria a tentação, um tanto sebástica, de mitificar o futuro, como se os
Portugueses não houvessem de encontrar, no dia a dia, caminhos superadores das
várias crises que sobre eles periodicamente se abatem. É no presente, e pelo
presente, na avaliação ponderada das possibilidades ao nosso alcance, que temos
de procurar a Aufhebung hegeliana, superadora das tensões e
antinomias tradicionais (do tipo esquerda/ direita, mais Estado/ menos Estado,
diálogo/ bloqueio, passado-recente/ passado-remoto, etc.); pois, enquanto os
Portugueses esbanjam tempo, energias e dinheiro em questiúnculas caseiras,
outros povos derrubam muros, traçam planos, cumprem metas, guiam-se friamente
por objectivos programados, progridem enfim, aliás com o mesmo espírito com que
o Infante D. Henrique levou avante os Descobrimentos, Egas Moniz alcançou o
Prémio Nobel e o Prof. Moniz Pereira preparou os Carlos Lopes e as Rosas Motas.
O aviso mais sério aos Portugueses, que ouvimos nos últimos tempos, fê-lo um
economista estrangeiro, Michael Porter, ao recomendar a Portugal que tivesse
cuidado com as rupturas bruscas na sua tradição secular. (…)
Não há
cultura fora do ecossistema onde ela se enraíza, cresce e dá frutos. Isto disse,
por outras palavras, o avozinho Garrett, quando, nas páginas das Viagens na Minha Terra, descreveu a decadência de Santarém, certamente com o pensamento em Portugal.
Sentiram-no os intelectuais da Geração de 70, sobretudo Eça, Ramalho e Teófilo.
Perceberam-no os neo-garrettianos finisseculares, intuíram-no os integralistas
maurassianos (…), mas talvez ninguém melhor do que Miguel Torga, ao longo de mais
de meio-século, tenha sabido despertar-nos para esta realidade, sobretudo nas
páginas do seu Diário.
O valor
cultural que podemos acrescentar à Europa passa por uma espécie de adaptação do
país económico e tecnológico ao país cultural. As transformações ocorridas na
sociedade portuguesa dos últimos vinte anos, em domínios tão significativos
como a educação e o ambiente, a informática e as telecomunicações, impõem um
reexame aprofundado das nossas possibilidades de sobrevivência como nação
culturalmente independente. Precisamos, enfim, como sugeria o Prof. Manuel
Antunes pouco antes de morrer, de repensar Portugal à luz de novas realidades
internas e externas. Desafio tanto mais fecundo e aliciante quanto é verdade
que a questão cultural tenderá a ser, cada vez mais, não um factor de divisão,
mas um traço de união entre os Portugueses.”
1994
Artur Anselmo, “Para
uma ecologia da cultura”, in Ler é
Maçada, Estudar é Nada, Lisboa, Guimarães Editores, 2008, pp.115-119.
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