Beatriz Costa (Charneca do Milharado, 1907 - Lisboa, 1996),
no filme Aldeia da Roupa Branca, de Chianca de Garcia (1939)
“(…) entre os saloios também há
Romeus, Julietas e Otelos”
João Paulo Freire
“CARACTERÍSTICAS
Homem Saloio
Quanto à estatura do saloio,
há-os altos e baixos, mas na sua maioria mais baixos do que altos. Fortes,
entroncados, com uma resistência de aço para os trabalhos do campo. Tez morena,
pele encorreada pelos efeitos das intempéries. O uso da enxada enrija-lhe a
musculatura. Ágil e ao mesmo tempo possante. Mãos calejadas. Cabelo preto,
nariz grosso e saliente. Pernas geralmente arqueadas. Resistente e pacífico. Matreiro,
desconfiado, tardo nas soluções, persistente, casmurro, relativamente pouco
expansivo. A fatalidade ancestral da sua raça pesa-lhe nos movimentos. (…) Frugal.
No meu tempo de rapaz, o saloio entre os vinte e os trinta anos usava bigode. Dos
trinta em diante: ou barba à passa
piolho, ou suíças. A suiça no saloio era
um símbolo de respeitabilidade. Hoje tudo isso desapareceu, e o saloio apresenta-se como qualquer outro cidadão.
Também Alberto Pimentel acha que
o saloio é feio. Eis um ponto que eu não posso discutir, nem apreciar. Creio piamente
que não foi entre os saloios que nasceu Adónis, mas não me parece que fosse aos
saloios que Vítor Hugo arrancasse o seu modelo para Quasimodo…
Mulher Saloia
De facto, em geral, a saloia é
morena e ossuda e não é bonita. Mas há, em toda a região saloia, lindíssimas
raparigas, morenas, olhos negros, expressivos (…). Pode mesmo afirmar-se que
não há aldeia onde não exista mais de um exemplar desta acentuada beleza
saloia. Evidentemente, porque casam, vêm-lhes a lida da casa, a lida do campo,
os filhos, e não há beleza que resista aos pesados trabalhos a que a saloia se
entrega. A vida do campo exige um esforço que os habitantes da cidade
desconhecem. A saloia cava, monda, sacha, ceifa, lava a roupa, sua ou alheia, e
ainda por cima cuida do marido e dos filhos, e tem a seu cargo a lida da casa,
que a faz toda, sem ajuda de ninguém se não tem filhos já crescidos. Isto, e um
passadio quase sempre deficiente, desfaz-lhe os traços de beleza e torna-a, na
maioria dos casos, feia e ossuda. O trabalho do campo pode dar saúde, mas não
dá nem beleza nem elegância a ninguém. Mas não se diga, como o afirma Alberto
Pimentel, que é raríssimo encontrar-se uma saloia bonita porque tal afirmação
não é verdadeira.
Se as há! De quantas me estou
lembrando agora, recordando, à distância de meio século, algumas lindas
raparigas saloias do meu tempo de rapaz! De Mafra, da Murgeira, da Póvoa, do
Codeçal, do Livramento, do Sobreiro, do Gradil, da Encarnação, de Santo
Isidoro, da Igreja Nova, de Cheleiros, tudo terras onde eu ia aos bailaricos e
às festas, e onde as encontrava com seus olhos negros e árabes, com sua boca
pequena e expressiva, quase todas de tipo miudinho, que a saloia é de estatura
mediana (…). Esta afirmação de que só há saloias feias, faz-me lembrar a história
do outro que afirmava que só havia castanhas assadas, porque na sua terra não
existiam castanheiros. Geralmente as pessoas que afirmam esta enormidade só
conhecem as lavadeiras já velhotas que vão à cidade buscar a roupa que eles sujam e elas lavam, e daí o
tomarem a parte pelo todo (…).”
João Paulo
Freire, O Saloio: sua origem e seu
carácter: fisiologia, psicologia, etnografia, Porto, J.P:F., 1948, apud "O Saloio de A a Z", compilação de Maria Isabel Ribeiro, in Boletim Cultural 93, Câmara Municipal de Mafra, 1994, pp.274-280.
Nota
“Natural
da Murgeira (Mafra), João Paulo Freire nasceu a 14 de Setembro de 1885, tendo
falecido a 16 de Janeiro de 1953. Ingressou no Seminário de Santarém que
acabaria por abandonar devido à falta de vocação. Prosseguiria os estudos na
Escola Real de Mafra, tendo mais tarde optado pela vida militar, onde atingiu o
posto de capitão graduado. Em 1917 foi mobilizado, seguindo para a frente
francesa integrado no corpo expedicionário português.
Organizou
e dirigiu os jornais Campo de Ourique
(1908), Distrito de Beja (1909) e Diário da Noite (1932), tendo sido
redactor de A Nação, A Capital, Diário de Notícias e Diário
Ilustrado, do qual foi também chefe de redacção. Para além disso colaborou
em muitos outros periódicos e na Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, usando com frequência os pseudónimos
de Mário, João Veneno, Lichtenbey, Frei Gil de Alcobaça e Sant’Elmo. Deixou
vasta bibliografia (…).”
Manuel J. Gandra
e Isabel Ribeiro, “Vultos e Sombras, 2. João Paulo Freire”, Boletim Cultural 97, Câmara Municipal de
Mafra, 1998, p.581.
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