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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

SALOIOS IV

Beatriz Costa (Charneca do Milharado, 1907 - Lisboa, 1996),
no filme Aldeia da Roupa Branca, de Chianca de Garcia (1939)
Imagem daqui.



“(…) entre os saloios também há Romeus, Julietas e Otelos”
João Paulo Freire

CARACTERÍSTICAS

Homem Saloio
                Quanto à estatura do saloio, há-os altos e baixos, mas na sua maioria mais baixos do que altos. Fortes, entroncados, com uma resistência de aço para os trabalhos do campo. Tez morena, pele encorreada pelos efeitos das intempéries. O uso da enxada enrija-lhe a musculatura. Ágil e ao mesmo tempo possante. Mãos calejadas. Cabelo preto, nariz grosso e saliente. Pernas geralmente arqueadas. Resistente e pacífico. Matreiro, desconfiado, tardo nas soluções, persistente, casmurro, relativamente pouco expansivo. A fatalidade ancestral da sua raça pesa-lhe nos movimentos. (…) Frugal. No meu tempo de rapaz, o saloio entre os vinte e os trinta anos usava bigode. Dos trinta em diante: ou barba à passa piolho, ou suíças. A suiça no saloio era um símbolo de respeitabilidade. Hoje tudo isso desapareceu, e o saloio apresenta-se como qualquer outro cidadão.
                Também Alberto Pimentel acha que o saloio é feio. Eis um ponto que eu não posso discutir, nem apreciar. Creio piamente que não foi entre os saloios que nasceu Adónis, mas não me parece que fosse aos saloios que Vítor Hugo arrancasse o seu modelo para Quasimodo

Mulher Saloia
                De facto, em geral, a saloia é morena e ossuda e não é bonita. Mas há, em toda a região saloia, lindíssimas raparigas, morenas, olhos negros, expressivos (…). Pode mesmo afirmar-se que não há aldeia onde não exista mais de um exemplar desta acentuada beleza saloia. Evidentemente, porque casam, vêm-lhes a lida da casa, a lida do campo, os filhos, e não há beleza que resista aos pesados trabalhos a que a saloia se entrega. A vida do campo exige um esforço que os habitantes da cidade desconhecem. A saloia cava, monda, sacha, ceifa, lava a roupa, sua ou alheia, e ainda por cima cuida do marido e dos filhos, e tem a seu cargo a lida da casa, que a faz toda, sem ajuda de ninguém se não tem filhos já crescidos. Isto, e um passadio quase sempre deficiente, desfaz-lhe os traços de beleza e torna-a, na maioria dos casos, feia e ossuda. O trabalho do campo pode dar saúde, mas não dá nem beleza nem elegância a ninguém. Mas não se diga, como o afirma Alberto Pimentel, que é raríssimo encontrar-se uma saloia bonita porque tal afirmação não é verdadeira.
                Se as há! De quantas me estou lembrando agora, recordando, à distância de meio século, algumas lindas raparigas saloias do meu tempo de rapaz! De Mafra, da Murgeira, da Póvoa, do Codeçal, do Livramento, do Sobreiro, do Gradil, da Encarnação, de Santo Isidoro, da Igreja Nova, de Cheleiros, tudo terras onde eu ia aos bailaricos e às festas, e onde as encontrava com seus olhos negros e árabes, com sua boca pequena e expressiva, quase todas de tipo miudinho, que a saloia é de estatura mediana (…). Esta afirmação de que só há saloias feias, faz-me lembrar a história do outro que afirmava que só havia castanhas assadas, porque na sua terra não existiam castanheiros. Geralmente as pessoas que afirmam esta enormidade só conhecem as lavadeiras já velhotas que vão à cidade buscar a roupa que eles sujam e elas lavam, e daí o tomarem a parte pelo todo (…).”
João Paulo Freire, O Saloio: sua origem e seu carácter: fisiologia, psicologia, etnografia, Porto, J.P:F., 1948, apud "O Saloio de A a Z", compilação de Maria Isabel Ribeiro, in Boletim Cultural 93, Câmara Municipal de Mafra, 1994, pp.274-280.
 
 
Nota
“Natural da Murgeira (Mafra), João Paulo Freire nasceu a 14 de Setembro de 1885, tendo falecido a 16 de Janeiro de 1953. Ingressou no Seminário de Santarém que acabaria por abandonar devido à falta de vocação. Prosseguiria os estudos na Escola Real de Mafra, tendo mais tarde optado pela vida militar, onde atingiu o posto de capitão graduado. Em 1917 foi mobilizado, seguindo para a frente francesa integrado no corpo expedicionário português.
Organizou e dirigiu os jornais Campo de Ourique (1908), Distrito de Beja (1909) e Diário da Noite (1932), tendo sido redactor de A Nação, A Capital, Diário de Notícias e Diário Ilustrado, do qual foi também chefe de redacção. Para além disso colaborou em muitos outros periódicos e na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, usando com frequência os pseudónimos de Mário, João Veneno, Lichtenbey, Frei Gil de Alcobaça e Sant’Elmo. Deixou vasta bibliografia (…).”
Manuel J. Gandra e Isabel Ribeiro, “Vultos e Sombras, 2. João Paulo Freire”, Boletim Cultural 97, Câmara Municipal de Mafra, 1998, p.581.

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