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Escola Secundária José Saramago - Mafra

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

GABRIELA LLANSOL

 M.G. Llansol em 1990 (fotografias de Álvaro Rosendo)

Penso que se morre com a sua biografia...

Esta noite apoio a mão na minha boca e penso, para brincar, nas espirais de liberdade da minha vida. Entre mim e a morte esvoaça a minha biografia. Um exercício sobre temas remotos que um dia se elevaram um pouco acima de nossas cabeças. O que havia para ver, nesse depósito de energia intensa, não será susceptível de ser guardado em nenhuma fonte, ou guardanapo dobrado de leitura.
Dispunha-me a ir jogar à bola no centro do pátio quando me introverti a pensar, intensamente, que um dia alguém se lembraria de não me deixar morrer. Morrer, do modo simples das toalhas, ou lençóis, que pousam abertos na terra.
eus sucessivos, simultâneos, estáticos, em movimentos, postos de claridade e de mistura incessante de pequenos vidros de ideias inteiras e partidas; composições que me apresentam para eu fazer, e que eu passo, porque sou livre,
a outro canto mais claro de mim mesma;
há um rosto aparente, tempo vencido e mal aureolado por uma moldura.
Saio para o pátio, para tentar continuar a estar só antes de vir para a Escola - jogando com as diferentes janelas de casa, entre as quais a do meu quarto,
que reflecte a da sala de jantar. 
Aprender a desobedecer assenta-me como uma capa, diz o Mestre-Escola, assenta-me como uma luz, diz o eu de um dos vícios que tenho. 
A bola foi escondida por detrás de um tufo de plantas tropicais, cactos em que só agora reparo. Dou então vários passos, de mim às tentativas que faço para desenvolver esta narrativa, que só flui mentalmente, e será retirada - verbo, energia, espaço e tempo - de memória. 
[...]
Desde que é possível que a minha vida sirva de paradigma, gostaria de a despir do seu envólucro exemplar. De passagem, atiro-me à ribeira lava; eu sou as vestes, ou o corpo nu, ou a idade nua de agora, ou a idade cinzenta/enérgica de amanhã? Ou as partículas de água que se reúnem e atraem, ou ________
Se me pensam, eu penso duplamente, triplamente, este é o caleidoscópio - a algibeira, a manga, a gola, o ocaso da mão, as pluriformes perspectivas de um espelho que não quero ter como berço. 
[...]
Esta biografia que esvoaça, e que se apresenta à minha frente como uma veste necessária de destinos originais, é ermo. Onde ela surge, desaparece o meu corpo humano. É tão absurda, melhor, cruel, como esta reflexão partindo da boca de uma criança.
Entrego ao Mestre-Escola, tal qual, este papel. Ele lê-o duas vezes, e imediatamente deixa de saber quem é, e onde está. 
[...]
É perigoso continuar aqui. Chamam-me; apanho do chão as minhas reflexões, e vou-me embora. 
Tomar estas notas para vós é o meu caminho por entre a morte. 

(Caderno 1.17, 26 de Fevereiro de 1985) 

BARRENTO, João (org.) - Europa em Sobreimpressão: Llansol e as Dobras da História. Lisboa: Assírio & Alvim. Espaço Llansol. 2011. 213 p. ISBN 978-972-37-1607-8


No dia 8 de março, haverá lugar na Biblioteca a uma mesa-redonda sobre a obra e a visão do mundo desta autora, de forma a torná-la mais acessível. 

Existem na Biblioteca vários exemplares de obras da escritora que podem ser consultados, de forma a aproximá-la dos nossos leitores.


Para uma informação mais detalhada, o Espaço Llansol realiza várias atividades disponíveis em:


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