Manuel Antunes, Padre, Professor e Ensaísta
Sertã, 1918 - Lisboa, 1985
Imagem daqui.
“Lei do génio. (…) A aventura mais
pessoal de um poeta, de um artista, de um filósofo ou de um cientista, como a
sua mais pessoal visão do universo e da existência, aparecem sempre, sem
dúvida, como o produto de um mundo, de um determinado contexto físico, social,
económico e político. Pensar contra o seu mundo, sentir contra o seu mundo, é
ainda e sempre pensar e sentir em relação ao seu mundo, por reflexo de oposição
ao seu mundo. Impossível a um autor, qualquer que ele seja, fazer desaparecer
do seu horizonte as coordenadas de espaço, tempo e cultura em que o seu
espírito se gerou. Esta lei comum ou esta dinâmica geral outra lei ou outra
dinâmica, mais particular, a acompanha (…). No caso concreto da poesia, pelo
simples facto de ela ser poesia e não filosofia ou ciência, por exemplo, ela
possui o seu campo próprio, o seu espaço dinâmico próprio, a sua linha de força
própria em que jogam, sobretudo, a Imaginação transcendental, o Ritmo
transcendental e a Sensibilidade transcendental. É nesse espaço que uma certa
visão do universo e da existência se constitui em nova dimensão, uma dimensão
dada pela palavra. Não pela palavra-logos do rigor racional e objectivo, não pela palavra-logos da verbalidade quotidiana, mas pela palavra-mythos que confere, à sensação, à percepção, à
ideia e ao sentimento, um sentido originário, pela palavra-mythos que descobre ou manifesta as
correspondências do mundo e as articula em novo mundo, pela palavra, expressão
do incontornável da sabedoria no limite do silêncio. Pelas duas leis – ou dinâmicas
– do reflexo e do género, o poeta é, sobretudo, passivo. Pela lei – ou dinâmica
– do seu génio próprio, ele é, sobretudo, activo. Por esta, pode dizer-se que o
mundo é um reflexo seu. Encontrando-se, de facto, no mundo, ele suscita um mundo. Um mundo que, por sua vez, será a
perspectiva através da qual muitos verão e sentirão o mundo. (…)”
Manuel Antunes, Teoria da Cultura, coordenação, revisão
e notas de Maria Ivone de Ornellas de Andrade, Lisboa, Edições Colibri, 2002,
pp.115-116.
Sem comentários:
Enviar um comentário