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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

SUGESTÃO DE LEITURA (31)

O VAGABUNDO NA ESPLANADA

(...) A meio da esplanada havia uma mesa vaga. Com o à-vontade de um frequentador habitual, o homem sentou-se.
Após acomodar-se o melhor que o feitio da cadeira de ferro consentia, tirou os pés dos sapatos, espalmou-os contra a frescura do empedrado, sob o toldo. As rugas abriram-lhe no rosto curtido pela soalheira  um sorriso de bem-estar.
Mas o fato e os modos da sua chegada haviam despertado nos ocupantes da esplanada, mulheres e homens, uma turbulência de expressões desaprovadoras. Ao desassossego de semelhante atrevimento sucedera a indignação.
Ausente, o homem entregava-se ao prazer de refrescar os pés cansados, quando um inesperado golpe de vento ergueu do chão a folha inteira de um jornal, e enrolou-lha nas canelas. O homem, apanhou-a, abriu-a. Estendeu as pernas, cruzou um pé sobre o outro. Céptico, mas curioso, pôs-se a ler. 
O facto, de si tão discreto, pareceu constituir a máxima ofensa para os presentes. Franzidos, empertigaram-se, circunvagando os olhos, como se gritassem: «Pois não há um empregado que venha expulsar daqui este tipo!». Nas caras descompostas pelo desorbitado melindre, havia o que quer que fosse de recalcada, hedionda raiva contra o homem mal vestido e tranquilo, que lia o jornal na esplanada.
Um rapaz aproximou-se. Casaco branco, bandeja sobre o braço, muito senhor do seu dever. Mas, ao reparar no rosto do homem, tartamudeou:
- Não pode...
E calou-se. O homem olhava-o com atenta benevolência.
- Disse? 
- É reservado o direito de admissão - tornou o rapaz, hesitando. Está além escrito.
Depois de ler o dístico, o homem, com a placidez de quem, por mera distracção, se dispõe a aprender mais um dos confusos costumes da cidade, perguntou:
- Que direito vem a ser esse? 
- Bem... - volveu o empregado. A gerência não admite... Não podem vir aqui certas pessoas.
- E é a mim que vem dizer isso? 
O homem estava deveras surpreendido. Encolheu os ombros, como quem se presta a um sacrifício, deu uma mirada nas caras circunstantes. O azul-claro dos olhos embaciou-se-lhe.
- Talvez que a gerência tenha razão - concluiu ele, em tom baixo e magoado. - Aqui para nós, também não me parecem lá grande coisa.
O empregado nem podia falar.
Conciliador, já a preparar-se para continuar a leitura do jornal, o homem colocou as moedas sobre a mesa, e pediu, delicadamente:
- Traga-me uma cerveja fresca, se faz favor. E diga à gerência que os deixe ficar. Por mim,  não me importo.

FONSECA, Manuel da - O Vagabundo na Esplanada. In Tempo de Solidão. Editora Arcádia. 1973. 202 p.

Livro disponível na BE.
 

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