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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

PORTUGUÊS - LÍNGUA FRANCA

Pormenor de um biombo Namban (de Namban-jin - bárbaros do sul - termo com que os japoneses apelidavam os europeus).
Imagem daqui.


 “A expansão dos portugueses pela Ásia, nos séculos XVI e XVII, teve, para todos os povos e sociedades envolvidas, variadíssimas consequências de natureza económica, política, social, cultural, que são razoavelmente bem conhecidas, pois têm sido objecto de numerosos estudos e abordagens. Um aspecto menos conhecido será talvez a questão linguística, pois tanto os historiadores da expansão portuguesa como os historiadores da língua têm, em anos recentes, com raríssimas excepções, desprezado este assunto. Torna-se ainda hoje necessário recorrer aos estudos clássicos de Sebastião Rodolfo Dalgado e de David Lopes.
Após o descobrimento do caminho marítimo para a Índia, em 1498, os portugueses entraram em contacto com um mundo linguístico totalmente novo e exótico. A Ásia constituía um autêntico mosaico linguístico, onde se falavam centenas de línguas e dialectos.
A ferramenta tradicional de comunicação intercivilizacional utilizada nas margens do Mediterrâneo, a língua árabe, revelou-se inoperante praticamente desde que os portugueses ultrapassaram o Cabo Bojador, em 1434. A partir daí, os portugueses começaram, numa primeira fase, a praticar aquilo a que já se chamou o comércio silencioso, descrito em palavras bem expressivas pelo navegador italiano Luís de Cadamosto. Num segundo momento, os portugueses tiveram de recorrer aos serviços de intérpretes locais, esses grandes descodificadores civilizacionais, na impossibilidade prática de dominarem as inúmeras línguas e dialectos falados ao longo da costa ocidental africana. (…)
A chegada ao Oceano Índico resolveu temporariamente alguns dos problemas de comunicação, pois ao longo da costa oriental africana os portugueses encontraram uma rede comercial organizada em sentido vertical, constituída por numerosas cidades e estados islamizados – como Mombaça, Quíloa, Zanzibar, etc. -, que utilizavam o árabe ou o suaíli como línguas francas. (…)
O encontro de Portugal com as línguas asiáticas deu origem a vários fenómenos linguísticos distintos, mas interligados (…). Em primeiro lugar, os portugueses, para estabelecerem contactos com os povos asiáticos, foram obrigados a descodificar as mais importantes línguas orientais (…). Neste processo de aprendizagem das línguas orientais, muitas palavras asiáticas foram importadas para a língua portuguesa, dando origem a um extenso glossário luso-asiático. Em segundo lugar, o estabelecimento dos portugueses no Oriente e o papel dominante que desempenharam nos circuitos comerciais marítimos levaram à difusão da língua portuguesa por todo o litoral asiático – o português tornou-se a língua franca do Oceano Índico nos séculos XVI e XVII. Em terceiro lugar, esta difusão do português contribuiu, por um lado, para a formação de numerosos crioulos luso-asiáticos, sobretudo em locais onde a presença portuguesa era mais forte, e, por outro lado, influenciou decisivamente muitas das línguas asiáticas, que adoptaram centenas de vocábulos portugueses. (…)
Como resultado deste contacto com as línguas orientais, muitas centenas de palavras de origem asiática foram incorporadas na língua portuguesa ao longo do século XVI. Nomes de países, cidades, mares, rios e montanhas, nomes de povos, nomes de produtos exóticos, de moedas, pesos e medidas, nomes de artefactos locais e de armas, nomes de plantas e animais, de metais e de técnicas, nomes de práticas sociais novas, para as quais não existia em português um termo apropriado, obrigaram a língua portuguesa a adoptar os vocábulos locais. No fundo é todo um novo mundo, novo porque previamente desconhecido, que os termos orientais trazem para a língua portuguesa (…). Por um lado, numerosos termos de origem oriental foram introduzidos no léxico comum «entre os quais os seguintes: andor, bambu, banzé, bazar, bengala, bengalada, biombo, boião, bonzo, bule, brâmane, cairo, canarim, canja, caril, catana, catre, chá, charão, chatim, chávena, chita, corja, jangada, junco, lacre, lascarim, leque, mandarim, monção, nababo, pagode, palanquim, pária, paxá, pires, rajá, salamaleque, sumbaia ou zumbaia (e zumbaiar), tufão, veniaga». Por outro lado, milhares de palavras de origem asiática passaram a fazer parte do vocabulário especializado de geógrafos, botânicos, homens do mar, comerciantes, etc. E não podemos esquecer todas aquelas palavras formadas em português a partir de termos exóticos. (…)
Este vocabulário exótico entrou rapidamente, e em largas quantidades para a língua portuguesa, logo a partir dos primeiros anos do século XVI, permitindo a formação de um riquíssimo glossário luso-asiático.”
Rui Manuel Loureiro, “I – Expansão Portuguesa e Línguas Asiáticas”, in Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo, coord. António Luís Ferronha, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e União Latina, 1992, pp. 92-97.

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