Pormenor de um biombo Namban (de Namban-jin - bárbaros do sul - termo com que os japoneses apelidavam os europeus).
“A expansão dos portugueses pela Ásia, nos
séculos XVI e XVII, teve, para todos os povos e sociedades envolvidas,
variadíssimas consequências de natureza económica, política, social, cultural,
que são razoavelmente bem conhecidas, pois têm sido objecto de numerosos
estudos e abordagens. Um aspecto menos conhecido será talvez a questão linguística, pois tanto os historiadores da expansão portuguesa como os
historiadores da língua têm, em anos recentes, com raríssimas excepções,
desprezado este assunto. Torna-se ainda hoje necessário recorrer aos estudos
clássicos de Sebastião Rodolfo Dalgado e de David Lopes.
Após o
descobrimento do caminho marítimo para a Índia, em 1498, os portugueses
entraram em contacto com um mundo linguístico totalmente novo e exótico. A Ásia
constituía um autêntico mosaico linguístico, onde se falavam centenas de
línguas e dialectos.
A
ferramenta tradicional de comunicação intercivilizacional utilizada nas margens
do Mediterrâneo, a língua árabe, revelou-se inoperante praticamente desde que
os portugueses ultrapassaram o Cabo Bojador, em 1434. A partir daí, os
portugueses começaram, numa primeira fase, a praticar aquilo a que já se chamou
o comércio silencioso, descrito em palavras bem expressivas pelo
navegador italiano Luís de Cadamosto. Num segundo momento, os portugueses
tiveram de recorrer aos serviços de intérpretes locais, esses grandes
descodificadores civilizacionais, na impossibilidade prática de dominarem as
inúmeras línguas e dialectos falados ao longo da costa ocidental africana. (…)
A chegada
ao Oceano Índico resolveu temporariamente alguns dos problemas de comunicação,
pois ao longo da costa oriental africana os portugueses encontraram uma rede
comercial organizada em sentido vertical, constituída por numerosas cidades e
estados islamizados – como Mombaça, Quíloa, Zanzibar, etc. -, que utilizavam o
árabe ou o suaíli como línguas francas. (…)
O
encontro de Portugal com as línguas asiáticas deu origem a vários fenómenos
linguísticos distintos, mas interligados (…). Em primeiro lugar, os
portugueses, para estabelecerem contactos com os povos asiáticos, foram
obrigados a descodificar as mais importantes línguas orientais (…). Neste
processo de aprendizagem das línguas orientais, muitas palavras asiáticas foram
importadas para a língua portuguesa, dando origem a um extenso glossário
luso-asiático. Em segundo lugar, o estabelecimento dos portugueses no Oriente e
o papel dominante que desempenharam nos circuitos comerciais marítimos levaram
à difusão da língua portuguesa por todo o litoral asiático – o português
tornou-se a língua franca do Oceano Índico nos séculos XVI e XVII. Em
terceiro lugar, esta difusão do português contribuiu, por um lado, para a
formação de numerosos crioulos luso-asiáticos, sobretudo em locais onde a presença
portuguesa era mais forte, e, por outro lado, influenciou decisivamente muitas
das línguas asiáticas, que adoptaram centenas de vocábulos portugueses. (…)
Como
resultado deste contacto com as línguas orientais, muitas centenas de palavras
de origem asiática foram incorporadas na língua portuguesa ao longo do século
XVI. Nomes de países, cidades, mares, rios e montanhas, nomes de povos, nomes
de produtos exóticos, de moedas, pesos e medidas, nomes de artefactos locais e
de armas, nomes de plantas e animais, de metais e de técnicas, nomes de
práticas sociais novas, para as quais não existia em português um termo
apropriado, obrigaram a língua portuguesa a adoptar os vocábulos locais. No
fundo é todo um novo mundo, novo porque previamente desconhecido, que os
termos orientais trazem para a língua portuguesa (…). Por um lado, numerosos
termos de origem oriental foram introduzidos no léxico comum «entre os quais os
seguintes: andor, bambu, banzé, bazar, bengala, bengalada, biombo, boião,
bonzo, bule, brâmane, cairo, canarim, canja, caril, catana, catre, chá, charão,
chatim, chávena, chita, corja, jangada, junco, lacre, lascarim, leque,
mandarim, monção, nababo, pagode, palanquim, pária, paxá, pires, rajá,
salamaleque, sumbaia ou zumbaia (e zumbaiar), tufão, veniaga». Por outro lado,
milhares de palavras de origem asiática passaram a fazer parte do vocabulário
especializado de geógrafos, botânicos, homens do mar, comerciantes, etc. E não
podemos esquecer todas aquelas palavras formadas em português a partir de
termos exóticos. (…)
Este
vocabulário exótico entrou rapidamente, e em largas quantidades para a língua
portuguesa, logo a partir dos primeiros anos do século XVI, permitindo a
formação de um riquíssimo glossário luso-asiático.”
Rui Manuel Loureiro, “I – Expansão
Portuguesa e Línguas Asiáticas”, in Atlas
da Língua Portuguesa na História e no Mundo, coord. António Luís Ferronha,
Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Comissão Nacional para as Comemorações
dos Descobrimentos Portugueses e União Latina, 1992, pp. 92-97.
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