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Escola Secundária José Saramago - Mafra

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

LER OS CLÁSSICOS


Imagem daqui.


“Comecemos com umas propostas de definição.
1.       Os clássicos são os livros de que se costuma ouvir dizer. «Estou a reler…» e nunca «Estou a ler…»
É isto que se verifica pelo menos entre as pessoas que se pressupõe serem de «vastas leituras»; não se aplica à juventude, idade em que o encontro com o mundo, e com os clássicos como parte do mundo, é válido precisamente como primeiro encontro com o mundo.
O prefixo iterativo antes do verbo «ler» pode ser uma pequena hipocrisia por parte de quem tiver vergonha de admitir que não leu um livro famoso. Para o descansar bastará observar que por mais vastas que possam ser as leituras «de formação» de um indivíduo, fica sempre um número enorme de obras fundamentais que não se leu.
Quem leu todo o Heródoto e todo o Tucídides levante o dedo. E Saint-Simon? E o cardeal de Retz? Mas até os grandes ciclos de romances do século XIX são mais nomeados que lidos. (…) Os apaixonados de Dickens em Itália são uma restrita elite de gente que quando se encontra se põe logo a recordar personagens e episódios como se fossem pessoas suas conhecidas. Há anos Michel Butor, ao leccionar na América, farto de ouvir perguntarem-lhe por Émile Zola que nunca tinha lido, decidiu-se a ler todo o ciclo dos Rougon-Macquart. Descobriu que era completamente diferente do que julgava: uma fabulosa genealogia mitológica e cosmogónica, que descreveu num belíssimo ensaio.
Isto vem a propósito de dizer que ler pela primeira vez um grande livro em idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer que é maior ou menor) do que se tem ao lê-lo na juventude. A juventude comunica à leitura, tal como a qualquer outra experiência, um sabor e uma importância muito especiais; enquanto na maturidade se apreciam (deveriam apreciar-se) muitos mais pormenores, níveis e significados. Assim, podemos tentar outra fórmula de definição:
2.       Chamam-se clássicos os livros que constituem uma riqueza para quem os leu e amou; mas constituem uma riqueza nada menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas condições melhores para os saborear.
De facto as leituras da juventude podem ser pouco profícuas por impaciência, distracção (…) e inexperiência da vida. Podem ser (se calhar ao mesmo tempo) formativas no sentido de darem uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, conteúdos, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: tudo coisas que continuam a agir mesmo que do livro lido na juventude se recorde pouquíssimo ou mesmo nada. Ao reler o livro em idade madura, acontece reencontrar-se estas constantes que agora já fazem parte dos nossos mecanismos internos e de que tínhamos esquecido a origem. Há uma força especial da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sementes. (…)”
Italo Calvino, Porquê Ler os Clássicos, Lisboa, Teorema, 1994, pp.7-8.

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