“Marco
Pólo, o mercador veneziano, que chegou aos confins da Ásia, visitou duas vezes Ormuz,
ponto de encontro de várias rotas comerciais na zona do Golfo Pérsico. Como
sabemos, o Infante D. Pedro trouxe do seu périplo europeu um exemplar do Livro
de Marco Pólo, facto que terá contribuído decisivamente (com o mapa de Fra
Mauro) para a tomada de decisão de contornar a África para chegar ao Índico. O Príncipe
Perfeito, no culminar da execução do Plano das Índias, enviou Afonso de Paiva e
Pero da Covilhã, em 1487, respetivamente para a Etiópia e para a Índia. Na cidade
do Cairo separaram-se, algures em 1488, com a combinação de se reencontrarem
junto à porta da cidadela nos primeiros dias de 1491. Pero da Covilhã visitará
a costa do Malabar, certificando-se das possibilidades económicas e comerciais
da zona e chegado a Ormuz decidiu partir para a costa oriental de África
(Melinde, Quiloa, Moçambique), fazendo um levantamento rigoroso dos pontos que
Vasco da Gama irá percorrer. Em fim de janeiro de 1491, na porta da cidadela do
Cairo, Pero não encontrará Afonso de Paiva, mas sim o rabino de Beja, Abraão, e
um judeu português José de Lamego que o informam da morte de Paiva, vítima de
peste pouco tempo antes. Pero da Covilhã entrega o seu relatório para o Rei a
José de Lamego e volta a partir com o Rabi de Beja para Ormuz (sempre essa
placa giratória das rotas entre o ocidente e o oriente), para seguir daí para a
Etiópia, onde ficará (não se sabe ao certo se por vontade própria) e
estabelecerá família, descobrindo que o reino mítico do Preste João não é
poderoso nem rico. Recebeu a visita de alguns portugueses a quem deu notícias
importantes. Em 1521, o embaixador D. Rodrigo de Lima encontra-o. O importante
relato das suas viagens foi enviado ao padre Francisco Álvares pelo próprio
Pero da Covilhã, tendo sido publicado no reino (1540) integrado na obra
«Verdadeira Informação das Terras do Preste João das Índias». Mas falar de
Ormuz e do Golfo Pérsico é referir Afonso de Albuquerque, com o seu génio
estratégico, que considerou essa praça como ponto fundamental na conquista da
entrada do Golfo Pérsico – (…) local crucial de passagem das rotas mercantis e
posto estratégico na articulação entre o comércio europeu e asiático. Por aí
eram escoados os produtos exóticos transportados pelas caravanas de Bassorá ou
Alepo rumo ao Mediterrâneo. Em outubro de 1507, Albuquerque atacou a cidade,
dominando-a. (…) João de Barros, nas Décadas da Ásia (II, II, 2), disse que «a cidade
de Ormuz está situada em hua pequena ilha chamada Gerum que jaz quasi na
garganta de estreito do mar Parseo tam perto da costa da terra de Persia que
avera de hua a outra tres leguoas e dez da outra Arabia e terá em roda pouco
mais de tres leguoas: toda muy esterele e a mayor parte hua mineira de sal e
enxolfre sem naturalmente ter hum ramo ou herva verde. A cidade em sy é muy
magnifica em edifícios, grossa em trato por ser hua escala onde concorrem
todalas mercadorias orientaes e occidentaes a ella, e as que vem da Persia,
Armenia e Tartaria que lhe jazem ao norte: de maneira que nam tendo a ilha em
sy cousa própria, per carreto tem todalas estimadas do mundo /..…/ a cidade é
tam viçosa e abastada, que dizem os moradores della que o mundo é hum anel e
Ormuz hua pedra preciosa engastada nelle». Já quanto a Omã, fronteiro a Ormuz,
o próprio Afonso de Albuquerque disse em 1507: «Mascate é uma cidade muito
grande e populosa, flanqueada em ambos os lados por altas montanhas e a frente
está perto da borda do mar; para trás, para o interior, há uma planície tão
grande como a praça de Lisboa, toda coberta com panelas de sal. Aqui se
encontram pomares, hortas, bosques de palmeiras com poços para regá-las por
meio de noras e outros engenhos. O porto é pequeno, no feitio de uma ferradura
e abrigado de todos os ventos». (…) O domínio do estreito de Ormuz tem de se
ligar à centralidade de Goa e à presença de Malaca. E não podemos esquecer que
o pensamento de Albuquerque ligava o comércio do Índico à necessidade de
controlar o Mediterrâneo oriental, o Egito e a Terra Santa.”
Guilherme d’Oliveira
Martins, “À Descoberta do Golfo Pérsico”, in Portugal e o Mundo: O Futuro do Passado, 8. Portugueses no Golfo
Pérsico, Lisboa, Centro Nacional de Cultura, 2012, pp. 19-23.
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