A vida inteira para dizer uma palavra!
Felizes o que chegam a dizer uma palavra!
Saul Dias
I
Para sempre. Aqui estou. É uma tarde de Verão, está quente. Tarde de Agosto. Olho-a à volta, na sufocação do calor, na posse final do meu destino. E uma comoção abrupta - sê calmo. Na aprendizagem serena do silêncio. Nada mais terás que aprender? Nada mais. Tu, e a vida que em ti foi acontecendo. E a que foi acontecendo aos outros - é a História que se diz? abro a porta do quintal. É um portão desconjuntado, as dobradiças a despegarem-se. Há muito tempo já que não vinhas. Sandra era da cidade, gostava da capital, detestava a vida da aldeia. Lá ficou. Abro a porta devagar, ela range para o espaço do jardim. É um jardim morto, as plantas secas, os canteiros arrasados nas pedras que os limitavam. Alguns têm só terra ou hastes secas de roseiras. (...) Um silêncio súbito, silêncio da terra. Só vozes ermas dos campos, ouço-as no calor parado da tarde. Reparo agora melhor no pequeno jardim. Uma selva bravia. As plantas selvagens irromperam de todo o lado, aos cantos dos muros à volta, junto à casa. Há algumas armações de madeira ainda, já apodrecidas, suspensas de arames, sem flores. Olho-o um instante , olho a casa, circunvago o olhar. Preparar o futuro - o futuro... E uma súbita ternura não sei porquê. Silêncio. Até ao oculto da tua comoção . Preparar o futuro, preparação para a morte. Está certo. Parte-se carregado de coisas, elas vão-se perdendo pelo caminho. Se ao menos uma ideia breve. Não tenho. Não é bem a vida que faz falta - só aquilo que a faz viver. (...)
FERREIRA, Vergílo - Para Sempre. Lisboa: Bertrand Editora. 2004. 14 ed., 306 p. ISBN 972-25-0268-9
Outras obras do autor disponíveis na BE: Aparição, Cântico Final, Contos, Até ao Fim, Manhã Submersa, Pensar, Alegria Breve, Nítido Nulo, Promessa.
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